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20 de Novembro é Dia da Consciência Negra: Há preconceito racial na IEAB?

Há preconceito racial na IEAB?

Xico Esvael em resposta à nossa enquete.

               Face a esta provocação, resolvi recorrer a minhas memórias. Nasci em berço Episcopal no início da década de 50, em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul. Nossa Matriz foi organizada pastoralmente, segunda minhas observações, por critérios de agrupamentos de segmentos sociais distintos. Haviam as irmandades de Santo André (só para homens), As Dorcas (mulheres de classe média de situação econômica favorável, a elite da igreja), A Sociedade Auxiliadora (mulheres casadas e de classe média), A Auxiliadora júnior (Senhoritas de classe média), a UME (grupo de jovens) e as Obreiras Cristãs (proletariado feminino). As mulheres negras da comunidade encontravam-se neste último segmento.

               As lideranças e os cargos de expressão sempre foram disputados e exercidos por pessoas brancas. Os cânones da Igreja nunca explicitaram preferência por essa ou aquela etnia, entretanto as pessoas que compunham as comunidades seguiam as conveniências do ambiente social em que estavam inseridas. Minha avó paterna era filha de uma escrava que foi submetida aos desejos de um jovem filho de seu dono.  Quando criança, senti na pele a descriminação, tanto na igreja como na sociedade, mesmo sem saber exatamente o significado disto. Inúmeras foram às vezes em que me senti alijado da cidadania plena, ora por comentários maldosos, ora pela inacessibilidade a espaços físicos (já fui barrado no baile).

               A Instituição Igreja sempre tentou demonstrar uma “Democracia Racial” que na prática era inexistente.   Havia uma espécie de “apartheid”, onde as famílias brancas designavam, por exemplo, com quem os seus filhos e filhas podiam namorar e casar. Amadureci refletindo sobre esta realidade, muito do que escrevo e falo é resultado destas observações o que me fez optar pela defesa dos Direitos Humanos em qualquer situação. As coisas começaram a mudar, quando uma das filhas brancas da comunidade, apaixonou-se e casou-se com um jovem oficial negro, que veio servir as Forças Armadas em nossa cidade. Este jovem pertencia a uma elite até então desconhecida daquela comunidade, pois os filhos brancos da terra é que se formavam oficiais na Academia do Exército.  O engajamento de parte da igreja nas lutas sociais, o êxodo dos jovens brancos que foram buscar a profissionalização através do ensino superior nos grandes centros, fez com que se abrissem brechas e oportunidades para o exercício da liderança local pelos menos favorecidos.  Minha vivência no Rio de Janeiro e em São Paulo, confirmam estas observações, pois presenciei várias posições racistas por membros de nossas paróquias em âmbito local e diocesano.

               A IEAB como instituição não admite o racismo, porém na prática a presença afrodescendente entre o clero e leigos ainda é muito tímida nos quadros da Igreja, e isto acontece pela ausência de pastorais específicas e engajadas na luta pelos direitos dos negros. Isto só poderá acontecer com uma significativa participação dos afrodescendentes na reflexão e concepção das pastorais da Igreja.

Xico Esvael: músico e membro da Paróquia da Santíssima Trindade. Email: xicoesvael@uol.com.br