Skip to main content

Lambeth 1998 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

 


Lambeth 1998 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos


Hoje celebramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Em  10 dezembro de 1948, as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Passado décadas desde a sua aprovação, a ONU lançou para 2009 o novo tema: “Acolha a diversidade, acabe com a discriminação”.  Será mesmo um dia para comemorações no Mundo?  Será que a diversidade está sendo acolhida e respeitada em todos os espaços sociais? Claro que há reservas diante da pluralidade, pois muitos grupos veem seus valores ameaçados. Será que isso justifica a discriminação, a violência e até a morte?  


A Comunhão Anglicana em um ato de lucidez procurou desempenhar o seu papel de “Sal e Luz” (Mateus 5:13-16) diante do Direito e da Justiça em nosso Mundo Plural. Na Conferência de Lambeth de 1998, houve a construção da Resolução 1.1 (Resolução que abre o Documento), intitulada de “Afirmação e Adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas”. A Conferência dos Bispos solicitou que seus líderes


“[...] insistam na aplicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas pelas nações em que nossas várias igrejas-membros estão localizadas, e todas as outras sobre as quais podemos exercer alguma influência e insiste para que as disposições da Declaração sejam estendidas aos refugiados, aos excluídos e marginalizados, que são forçados pelas circunstâncias de suas vidas a viver no meio deles”. Resoluções da Conferência de Lambeth 1998- CEA/IEAB.


Lambeth e Direitos HumanosUma Luz começou a brilhar em Lambeth e muitos ali presentes permitiram sua irradiação. Contudo essa Luz não chegou a vários países onde a Comunhão Anglicana está presente. Trevas e insipidez tomaram conta de muitas de nossas comunidades religiosas. Os Direitos Humanos não foram respeitados e as ações de injustiças foram acobertadas. Lamentamos a postura de nossos líderes na propagação da violência entre seus povos e o constante desrespeito irracional a Declaração Universal dos Direitos Humanos.


Violências consentidas e abençoadas nas terras de África onde os Pastores desejam ser Deuses...


Afirmamos que os atos contra os Direitos Humanos devem ser denunciados e nomeados claramente por nossa Igreja Anglicana. As entidades e as pessoas que desrespeitam esses Direitos também devem ser pastoralmente orientadas por nossos líderes religiosos para que haja conversão e arrependimento. Devemos pronunciar os nomes dos “excluídos” em nossas orações, em nossas homilias, em nossas pastorais. Precisamos deixar os clichês tais como “excluídos” que generalizam os marginalizados e também escondem o tipo de violência que sofrem.  Devemos nomeá-los, pois são pessoas de “carne e osso”, ou no que chamamos na linguagem evangélica de “o próximo”. Essas pessoas têm nome, família e história! A violência também tem uma origem e agentes que a promovem.


Por trazermos no corpo as marcas dessa violência não podemos nos esconder ou nos intimidar diante dos agressores.  A Igreja precisa ouvir seus filhos e filhas violentados. A Igreja deve parar com as interpretações subjetivas (ou de gabinete) sobre a violência, muitas vezes incapazes de traduzir a dor do outro e deixar que as vozes dos marginalizados sejam ouvidas de fato, sem interferências.


Nesse dia 10 de dezembro recordamos especialmente das violações dos Direitos Humanos no Brasil e do papel profético de nossa Igreja. Em especial, denunciamos as marcas da violência homofóbica (contra os grupos LGBTT) em nossa região Nordeste. Trazemos um dado assustador levantado há um ano aproximadamente e expresso em um Mapa da Homofobia


“190 homossexuais assassinados no Brasil em 2008, um a cada dois dias. Aumento de 55% em relação ao ano anterior. 64% gays, 32% travestis, 4% lésbicas. O risco de uma travesti ser assassinada é 259 vezes maior que um gay. Pernambuco voltou a ser o estado mais violento, 27 assassinatos e o Nordeste a região mais perigosa: um gay nordestino corre 84% mais risco de ser assassinado do que no Sudeste/Sul. 13% das vítimas tinham menos de 21 anos. Predominam entre as vítimas as travestis profissionais do sexo, cabeleireiros, professores, ambulantes. Gays são mais assassinados dentro de casa a facadas ou estrangulados, enquanto travestis são executadas na rua a tiros. Quanto aos assassinos, 80% são desconhecidos, predominando garotos de programa, vigilantes noturnos, 65% menores de 21 anos. O Brasil é o campeão mundial de crimes homofóbicos, 190 homicídios em 2008, seguido do México com 35 e Estados Unidos com 25”. http://www.ggb.org.br/assassinatosHomossexuaisBrasil_2008_pressRelease.html


Violência na "terra dos Coronéis"   encarnada na Guerra Santa dos Severinos e  dos Cavalcantis....


Na Região Sudeste, no Centro da Cidade de São Paulo, os ataques violentos contra a população LGBTT ainda é um desafio a ser superado. Em 2007 realizamos um ato comunitário em “Favor da Paz, Contra a Violência” convidando igrejas e entidades civis a denunciarem os ataques nas ruas e praças do Centro de São Paulo. Nossa comunidade de anglicanos se encontra justamente próxima a esses locais de violência. Temos paroquianos e paroquianas que circulam e residem nessa região e poderiam ser alvos fáceis dos grupos violentos.  O silêncio da Igreja poderia ter significado a concordância com essa violência.


A Igreja Anglicana deve-se preocupar urgentemente com sua pregação ao usar o texto bíblico como justificativa para a violência, o assédio, a discriminação, a exclusão, a estigmatização, o preconceito com base na orientação sexual e na identidade de gênero. Deve lembrar-se do papel profético da Igreja, muitas vezes doloroso, de denunciar os assassinatos e execuções, a tortura, a detenção arbitrária e a privação de direitos econômicos, sociais e culturais com tais fundamentos.


Passado tanto tempo da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não temos muito que celebrar sobre o assunto do respeito e da cidadania da população LGBTT. As ações em favor da vida continuarão sendo feitas em nosso país e a Luz continuará brilhando em cada ação da população/governo/igreja contra a violência. Resta-nos agregar aos esforços já realizados uma oração:


Ó Deus da Paz, cujo Filho amou a todas as pessoas, permita-nos não descansar diante de tanta intolerância em locais onde a Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda não é respeitada e cumprida. Que Venha Teu Reino de Justiça e Paz! Amém.  


*Reverendo Arthur Cavalcante é Reitor da Paróquia da Santíssima Trindade.