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Ano Novo e Ano Velho

Ano novo e ano velho

Dermi Azevedo*

Numa dessas andanças da vida, encontrei, recentemente, dois irmãos com nomes curiosos: Ano Velho e Ano Novo. Pedi licença para gravar e reproduzir uma parte do diálogo que mantinham:

Ano Novo - Como é que você se sente, meu irmão, vendo aproximar-se a sua aposentadoria?

Ano Velho - De modo geral, sinto-me bem. Tentei fazer o possível para que todos vivessem melhor, com base na paz e na justiça social. Mas não consegui obter os resultados desejados. Continuaram a acontecer muitas guerras e a miséria em vez de diminuir, só aumentou. Basta passar pelo centro de São Paulo, para ver centenas de pessoas entregues à própria sorte, em meio a todo tipo de sujeiras. As autoridades não consideram urgente esse problema que se arrasta há muito tempo...A corrupção bateu recordes e a população sente-se enganada,por acreditar que tudo terminará em pizza. Todos os tipos de violência aumentaram. Mas a criminalidade,  como você sabe, baseia-se, em grande parte,nas condições objetivas de miséria em que grande parte das pessoas pobres é obrigada a enfrentar... Mudando um pouco de assunto, quais são as suas expectativas para 2011?

Ano Novo - Em primeiro lugar, eu espero que ninguém tenha muita expectativa de mudanças durante esses 365 dias. Muita gente se ilude  ao pensar que o simples fato de você se retirar e de eu assumir já representa um sinal de mudança em favor de uma sociedade igualitária e inclusiva. Ledo engano. Eu até diria o contrário: se as pessoas não tomarem consciência de que precisam agir imediatamente para enfrentar as raízes de tanta exclusão social e econômica, dificilmente os meus 12 meses resultarão em algo de proveitoso nesse sentido. Agora quero saber o que mais marcou a sua vida pessoal em 2012.

Ano Velho - Do segundo semestre em diante, senti na minha própria carne como ainda é grande o preconceito contra as pessoas idosas. Na medida em que os meses foram passando e que você se aproximava, muita gente me chamou de velho como se eu não servisse mais para nada. Ouvi muitas piadas dentro dos ônibus e em filas de bancos. Conheci casos de pessoas idosas que sofreram violência por parte dos próprios parentes. Eu mesmo tive que passar horas e horas nas filas da saúde pública e da previdência social. Por outra parte, fiz o que pude para derrubar os muros do preconceito, da discriminação,do racismo, do machismo, da homofobia e de outras atitudes excludentes. Caberá a você assumir essa luta e fazê-la progredir...Em outro aspecto, o que você espera, nos próximos doze meses, no campo das religiões?

Ano Novo -Eu sempre imaginei que falar de “novo” significava referir-se a verdadeiras novidades que pudessem promover o avanço da dignidade humana. Mas o que observo hoje é uma verdadeira banalização do nome de Deus. A religião tornou-se uma mercadoria de alto valor no mercado. O nome de Jesus foi esquecido, por muita gente – inclusive por muitos dos seus supostos missionários – e, em seu lugar, foi entronizado o deus mercado. Continuo,porém, a esperar que as  religiões cumpram o seu papel de promover a vida, cuja origem é divina.

As religiões que não promovem a consciência crítica dos seus seguidores, que não estruturam verdadeiras comunidades e que não se preocupam com a libertação dos seres humanos oprimidos, não passam de mistificações...Quero agora perguntar-lhe: o que você pessoalmente deseja que eu prorize nos próximos 12 meses?

Ano Velho – Desejo que você lembre, primeiro,do significado do seu primeiro mês: janeiro. Você sabe que esse nome é o de um deus romano que tinha duas faces: uma voltada para o passado e outra para o futuro. Você deve adotar essa atitude de forma permanente: aprenda sempre com as lições do passado, seja um contemporâneo e tenha sempre os olhos voltados para o futuro. Faça alguma coisa para que as gerações futuras não se queixem da nossa omissão diante, por exemplo, dos graves problemas ambientais...Eu e você simbolizamos a divisão do tempo em fatias...Mas você sabe que essa divisão é algo puramente instrumental. Na verdade, tudo passa...

 Ano Novo – Meu irmão, proponho que a nossa conversa seja retomada depois...Quero pedir-lhe agora que me recomende uma leitura que possa servir para alimentar as minhas atitudes daqui para a frente...

Ano Velho – Já que você me pede, quero sugerir que você medite diariamente sobre o Sermão da Montanha...feito por Jesus Cristo, para que as pessoas pudessem conhecer o essencial de sua missão.   

* Dermi Azevedo é jornalista, cientísta político, articulador da Desmond Tutu e membro da Paróquia da Santíssima Trindade.