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Pena de Morte aos Gays de Uganda


*FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A CAMPALA (UGANDA)



Para a mãe que não delatar o filho gay à polícia, três anos de prisão. Para o jornalista que incluir em sua reportagem uma menção, ainda que tênue, a um casal formado por dois homens ou duas mulheres, sete anos de cadeia. Para a pessoa que tiver uma relação, mesmo que consensual, com um cadeirante do mesmo sexo, pena de morte.

Essas são algumas das implicações de um projeto de lei nos estágios finais de tramitação no Parlamento de Uganda (África central), hoje o símbolo mais visível de um fenômeno continental: por toda a África, fecha-se o cerco aos homossexuais.

Seu autor é o deputado David Bahati, do partido governista, o Movimento de Resistência Nacional, que tem 211 dos 258 membros do Parlamento unicameral (81%). Antes de apresentar o projeto, no final do ano passado, ele reuniu-se com o gabinete, comandado pelo presidente Yoweri Museveni, e recebeu o sinal verde.

A expectativa de Bahati é que a matéria seja votada ainda no primeiro semestre. Para virar lei, precisará ser sancionada por Museveni.

O presidente é um conservador assumido. Sua política anti-Aids põe em segundo plano a distribuição de camisinhas, prega abstinência para jovens e fidelidade para casados, o que atraiu a ira de ONGs. Mas ele responde com números: o índice de infectados caiu de 12% da população nos anos 90 para menos de 6% hoje.

O presidente estava disposto a aprovar a lei em seu formato original, mas passou a receber intensa pressão internacional. No mês passado, o presidente dos EUA, Barack Obama, chamou a iniciativa de "odiosa". A secretária de Estado Hillary Clinton ligou para Museveni para alertá-lo de que a ajuda financeira americana a Uganda pode ser cortada.

"O presidente foi surpreendido com a reação internacional, sobretudo porque as pessoas não entendem os fortes sentimentos em Uganda com relação à homossexualidade. Os gays são pessoas pervertidas e não necessariamente normais", disse James Nsaba Buturo, ministro da Ética e Integridade, ligado à Presidência.

"Pervertidas", mas "curáveis", explicou o ministro à Folha. Segundo ele, o governo "trata" 60 gays que mantém em centros de recuperação por todo o país, cuja localização não revela. "As pessoas os matariam", justifica.

Devido à condenação mundial, o governo estuda apresentar emenda ao projeto comutando de pena de morte para prisão perpétua os casos de "homossexualismo agravado".

Nesse item estariam incluídas, por exemplo, relação homossexual com menores de 18 anos, com portadores de deficiência ou aquela em que um dos parceiros tem Aids. Também seria punível com morte o ato ocorrido após ser administrada ao parceiro "droga, matéria ou coisa" que cause efeito estupefaciente.

Mesmo hoje, a vida para os gays em Uganda está longe de ser tranquila. O código penal criminaliza "conjunção carnal contrária à ordem natural", o que é usado como uma muleta jurídica para incluir a prática homossexual.

A nova lei, além de ser específica na menção ao homossexualismo, proibiria a "tentativa" de praticar o ato, a ajuda a que um gay tenha uma relação ou a "promoção" de tais relações, pedindo claramente a censura à mídia. Filmes, peças, programas de TV e textos na imprensa teriam de suprimir menções ao homossexualismo, por mais neutras que sejam.

"Se a lei já estivesse em vigor, nós não poderíamos estar aqui tendo essa conversa", disse Frank Mugisha, presidente do Sexual Minorities Uganda (Smug), sentado num café num shopping center no centro da capital. A organização que lidera é um guarda-chuva de ONGs de gays e lésbicas.

Mugisha promete ir à Justiça arguindo a inconstitucionalidade da lei, se aprovada. Legalmente, a Smug opera como "grupo social", sem explicitar seus objetivos. Para evitar ataques, a sede vive mudando, e o endereço não é divulgado.

Para autor, ser homossexual é vício como fumo

DO ENVIADO A CAMPALA

Deputado David BahatiAutor do projeto que prevê a pena de morte para alguns casos de prática homossexual, o deputado David Bahati, 35, diz que a família de Uganda corre riscos decorrentes do ativismo dos gays. Casado e com três filhos, o deputado diz que seu projeto tem apoio do governo. (FZ)

FOLHA - Por que a família de Uganda está sob ameaça?
DAVID BAHATI - Temos nossos valores. Isso não inclui a homossexualidade. Acreditamos que a pessoa não nasce com isso. É algo que é aprendido e pode ser "desaprendido". É como fumar. Torna-se um vício.

FOLHA - Baseado em quê o sr. diz isso?
BAHATI - Há muita evidência, cientistas estudaram isso. Há outro ponto: se você é gay, tem três vezes mais chances de ter Aids que um ser humano normal.

FOLHA - Quem diz isso?
BAHATI - Pesquisas sobre a Aids. Além disso, a homossexualidade pode reduzir a expectativa de vida em quase 20 anos. Você pode destruir seu reto. Alguns precisam usar fraldas, como crianças.

FOLHA - A vida sexual não é uma questão privada?
BAHATI - Em Uganda, há uma tendência que ameaça nossas crianças. Vemos pessoas usando dinheiro para recrutá-las em escolas e promover uma agenda de homossexualidade. Qualquer sexo entre homem e homem não é sexo, é abuso do sexo.

FOLHA - Muitos países avançados vivem bem tendo gays, como EUA e europeus. A sociedade deles não parece ameaçada. Por que seria diferente aqui?
BAHATI - Não é certo que o tecido moral dos EUA esteja bem. Foi destruído. Se o homem se desvia do caminho para o qual Deus o criou, há algo errado.

FOLHA - Por que o sr. incluiu a pena de morte no projeto?
BAHATI - Essa é uma proposta. O ponto-chave é focar nos princípios. A homossexualidade é correta?

FOLHA - O sr. pede pena de morte para "criminosos seriais". Quem define isso?
BAHATI - É uma pessoa que já foi condenada por homossexualismo, um sujeito mau. Vamos focar no núcleo da proposta. Homossexualismo é um direito humano? Acredito que não deva ser.

FOLHA - Prevê-se morte para quem administrar substância "estupefaciente". Uma cerveja antes do ato conta?
BAHATI - Estamos falando aqui sobre drogas específicas. Cerveja é droga?

FOLHA - Mas fala-se em "coisa" que cause esse efeito. Cerveja é uma "coisa".
BAHATI - A lei será seguida de maneira razoável
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FOLHA - Prisão perpétua para a prática do homossexualismo não é um exagero?
BAHATI - Que punição você daria para alguém que tenta destruir nossas crianças?

FOLHA - Essa lei não pode ser usada de maneira abusiva?
BAHATI - Não temos histórico de abuso da lei aqui.

FOLHA - Mas pode acontecer uma caça às bruxas...
BAHATI - Caça às bruxas acontece só quando alguém está fazendo algo certo. Se alguém está fazendo algo errado, não é caça às bruxas.

FOLHA - O seu projeto defende abertamente a censura.
BAHATI - Sim. Nossas crianças devem acessar informação em TV, ou na internet, livre de conteúdo gay.

FOLHA - Não é retrocesso?
BAHATI - Não há liberdade absoluta. Mesmo o vento sopra numa direção.

FOLHA - Um jornalista em Uganda poderia escrever uma matéria num jornal sobre a Parada Gay de São Francisco?
BAHATI - Não. Seria mostrar um lado positivo dos gays.

FOLHA - Mas seria apenas relatar que houve a parada.
BAHATI - Mas qual a razão para isso? Nada dessa bobagem será autorizado.


Fonte: Folha de S.Paulo