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Páscoa


A Páscoa Segundo São Lucas 24:1-12 e o testemunho das Primeiras Comunidades em Atos dos Apóstolos 2: 42-47


*Reverendo Arthur Cavalcante


“E, voltando do túmulo, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os mais que com eles estavam”.


Lucas 24.9 


 “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”.


Atos 2.42 


 Sentimos em nós um profundo desejo de viver, livres de todas as alienações, as que descobrimos em nós como as que nos vêm do exterior, uma aspiração a sermos nós mesmos na transparência de nosso ser, desabrochados, libertos de todas as limitações procedentes da matéria, do sofrimento, do mal, uma vontade de se construir a si próprio na relação como os outros, construindo um mundo verdadeiro e fraterno em que todos teriam os mesmos direitos. E descobrimos que tudo isto está continuamente votado ao fracasso por nossas limitações humanas, as do corpo material, as do pecado e finalmente, a da morte.


CRISTO RESSUSCITOU-ETIENNE CHARPENTIER, PÁGINA 85.


O relato da Ressurreição é contado de forma diferente em cada Evangelho e nesta Páscoa será a vez de ouvirmos a versão do Terceiro Evangelista. Em Lucas, as mulheres vão ao túmulo de Jesus para terminar os rituais da religião para com o morto. Maria Madalena, Joana e Maria de Tiago levam os perfumes para serem colocados em Jesus, mas elas encontram o túmulo vazio, sem o corpo do mestre. Percebem logo em seguida a presença de dois homens e deles recebem a seguinte mensagem: “-Por que procurais Aquele que vive entre os mortos? Ele não está aqui; ressuscitou”.  Daí em diante as notícias se espalham a partir daquelas mulheres: “Cristo ressuscitou!” Essa mensagem conseguiu desconcertar a muitos: o Jesus que conviveu com os seus discípulos e depois foi crucificado e morto, agora está vivo! Aquelas três mulheres de fato anunciam primeiramente a mensagem da ressurreição, mas percebemos que não foram bem recebidas pelos apóstolos. Mulheres não tinham vez e voz na sociedade judaica. Apenas Pedro (vers.12), aquele que negou triplamente seu Mestre, vai até ao túmulo verificar se de fato o testemunho daquelas mulheres era verdadeiro.


A ressurreição não foi transmitida por canais de televisão ao vivo, tão pouco relatada por repórteres de jornais.  O que temos quase 2.000 anos após do grande acontecimento são os relatos (testemunhos) de pessoas. E quando se tenta contar uma história, os fatos trazidos são carregados de intenção, de leituras próprias, de emoções. Concluímos então que em cada Evangelho, as percepções da ressurreição são manifestadas diferentemente.


  O Cristo segundo Lucas estava presente no partir do pão, na solidariedade entre os primeiros crentes (Atos dos Apóstolos). Cada vez que se dividia o alimento com o seu semelhante, Jesus era lembrado, visto e sentido por seus seguidores. Retomando o texto principal no qual Lucas fala do encontro junto ao túmulo dos dois homens com as mulheres miróforas (que carregavam a mirra), a cena poderia ter se dado assim: “-Como vocês podem esquecer tão facilmente os ensinamentos do Mestre? Vocês que conviveram com ele, como podem deixar de lembrar que: ‘É preciso que o Filho do Homem seja entregue às mãos dos pecadores, seja crucificado, e ressuscite ao terceiro dia’”. Naquele momento o entendimento veio à tona, ou melhor, todas as fichas caíram: “-Ah! Então era isso que ele nos queria dizer...”. Aqueles homens revelam às mulheres que o Cristo verdadeiramente ressuscitou! Por si, elas não teriam condições de perceber o acontecimento, pois só viam um túmulo violado, sem o cadáver. Elas não tinham explicação para aquela cena. Bem diferente da interpretação descrita no Evangelho de Mateus no qual os chefes judeus afirmavam que o corpo tinha sido retirado pelos próprios discípulos do Nazareno (Mateus 28:11-15). O fato é que o túmulo estava vazio, mas isso não poderia provar em nada a Ressurreição de Jesus!


Mulheres Miróforas


A crença na ressurreição se deu através de um fato: a formação de uma comunidade que vive os ensinamentos de Jesus com se o próprio estivesse vivo no meio dela. Ou melhor, uma resposta de resistência da comunidade frente à intimidação da crucificação do seu líder.  Algo realmente aconteceu para que aquelas pessoas do passado dessem esse testemunho. Nós do presente apenas nos apoiamos nesse testemunho e aderimos com fé através do batismo. Damos continuidade na verdade ao testemunho daquelas pessoas do passado, das primeiras comunidades cristãs. Não nos intimidamos de anunciar a mensagem das Boas Novas da Salvação diante dos poderes da morte.


Nessa Páscoa somos convidados como comunidade, a anunciar a Ressurreição de Jesus Cristo inspirada pelos pais apostólicos e recriá-la na nossa história pessoal e coletiva. Na comunidade de Lucas (Atos dos Apóstolos), os cristãos se relacionavam uns com os outros como se o Jesus estivesse de fato presente. O que isso nos desafia? A cruz não tem sentido sem a idéia do serviço ao próximo. O túmulo vazio não significa nada para nossa fé. Deveríamos apenas experimentar o ensinamento de Jesus Cristo em nossa relação com outro. Toda vez que colocamos em prática seus ensinamentos, Jesus se torna vivo em nossas relações e na vida da comunidade onde estamos inseridos. Deus conceda a todos uma Páscoa abençoada e rica em significados para nossa fé. Amém.


* Reverendo Arthur Cavalcante é reitor da Paróquia da Santíssima Trindade. Email arthur@trindade.org