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UMA BREVE REFLEXÃO ACERCA DO CENÁRIO ATUAL DA AIDS NO BRASIL

O imaginário social da Aids parece-nos ter acompanhado as mudanças ocorridas ao longo da epidemia e sua trajetória epidemiológica. Hoje não figuram mais as categorias explicativas de grupo de risco ou comportamento de risco, devido à insistente refflexão sobre as práticas de risco1, traduzidas como as práticas cotidianas marcadas social e culturalmente nos diversos contextos (sexual, biológico e profissional). Dos 433.067 casos notificados de Aids até junho de 20062, 62,3% (269.910 casos) se concentram na região Sudeste, 17,9% (77.639 casos) na região Sul, 11% (47.751 casos) no Nordeste, 5,6% (24.086 casos) no Centro-Oeste e 3,2% (13.681 casos) no Norte. Esses dados mostram que há uma perspectiva de regionalização da Aids, da qual dependem as ações e demandas para a prevenção. O maior número de casos encontra-se na faixa etária dos 20 aos 49 anos, representando 85,9% dos casos masculinos e 81,5% dos casos femininos2. Segundo alguns autores3,4 e 5 os questionamentos acerca da problemática médico-biológico e social do processo saúde-doença apontam seu caráter individual e coletivo, histórico e material, ligado às lutas sociais e às identidades culturais, fazendo uma interface das Ciências da Natureza - biologia, medicina e epidemiologia - e as Ciências Sociais - sociologia, antropologia e psicologia social. O enfrentamento de questões surgidas na última década, como a participação maior das mulheres nos números da Aids e a introdução dos idosos, com 60 anos e mais, nos registros epidemiológicos, requer uma reflexão sobre esses cenários possíveis. Para pensarmos este quadro é necessário levar em conta o caráter histórico e material da sociedade, compreendendo os aspectos de classe social e status sócio-econômico-familiar, como condição sine qua non nas análises da constituição do significado social do processo saúde-doença. Desta forma, impõe-se uma análise sobre os fatores determinantes da cosntituição de novas categorias analíticas como a família, a juventude e a velhice para compreender as ações preventivas que delas dependem. Neste sentido podemos incorporar novas instituições construtoras de valores e normas sociais como as igrejas e as diferentes manifestações religiosas. O contexto social em que a Aids se abate sobre a humanidade e sua presença em tão variadas culturas e especificidades conjunturais de diferentes sociedades, mostra o quão irrelevante é o discurso hipotético da medicina e da epidemiologia voltados para as estatísticas de prevalência em determinados grupos6. Devemos ter claro que alguns aspectos, como a tecnologização da vida contempoarânea, coloca para o jovem a facilidade e anonimato de suas relações sociais e sexuais, através de redes de sociabilidade virtual, colocando suas disponibilidades emocionais e sexuais longe de controles educactivos ou de prevenção. A internet com os diversos mecanismos de aproximação (sites de paquera on-line, por exemplo) deverá ser nossa próxima realidade para conhecer o que se passa no substrato das relações de poder das quais estes adolescentes e adultos jovens vêm se apropriando. Passados mais de trinta anos, a Aids ainda coloca diante de nós as discussões que os saberes especializados resolviam antes pela compartimentalização do conhecimento sobre o real, que a traduzem por fenômeno natural contendo seus preconceitos e seus estigmas contra grupos que, cientificizados perdem a sua marca de origem7. São, pois esses condicionantes humanos e sociais que nos advertem para uma profunda sistematização de novos conceitos sobre a Saúde Coletiva, visto que nos chama a atenção entre outras questões, para o hiato entre a pandemia e a resposta social, hiato que cresce rapidamente e desenvolve o conceito de vulnerabilidade pessoal e coletiva ao HIV e à Aids.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. Beltrame, IL Do risco das práticas de risco: em busca de uma nova categoria explicativa para a prevenção da Aids no Brasil. [Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Saúde Pública da USP. São Paulo, 1997]

2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/Aids. Boletim Epidemiológico Aids e DST - ano III - nº 1

3. Lurell, AC La salud-enfermedad como processo social. Rev. Latinoam. de Salud, 2:7-25, 1982.

4. Beltrame, IL & Leme, AO O uso de biografias de Homens que fazem sexo com Homens vivendo com HIV/Aids: contribuições à Saúde Coletiva. Revista Saúde Coletiva, Barueri, 1(3):22-27, 2004. 

5. Leal, OF Corpo e significado: ensaios de Antropologia Social. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1995.

6. Cáceres, CF La construcción epidemiológica del SIDA - AIDS: um desafio para as Ciências Sociais e a Medicina. III Congresso Latino-Americano de Ciências Sociais e Medicina/Atibaia/SP, 08 a 12/04/95. Centro de Pesquisas das Doenças Materno-Infantis de Campinas CEMICAMP.

7. Parker, R et. col. (Orgs.) A AIDS no Brasil (1982-1992). Rio de Janeiro: ABIA/IMS-UERJ/Relume Dumará, 1993.

Ideraldo Luiz Beltrame – Sociólogo e Doutor em Saúde Pública. Ministro Leigo da Paróquia da Santíssima Trindade – São Paulo/SP. Membro de INERELA+